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quinta-feira, março 20, 2008

Azeite de louro potencial medicamento


O azeite ou óleo de louro, utilizado na medicina tradicional madeirense, está a ser investigado pelo Departamento de Química da Universidade da Madeira há cerca de cinco anos. O objectivo foi determinar se há uma base concreta que justifique o seu uso há mais de 100 anos pela população. Neste momento, a primeira etapa do trabalho está a ser ultimada e os resultados «são positivos», revela a professora Paula Castilho, presidente do referido departamento e responsável pela investigação. Conforme explica, os testes a que o produto foi submetido revelam que possui «princípios activos que são potenciais medicamentos ou podem constituir uma base para a sua construção».


A decisão de proceder a um estudo sobre o loureiro e o azeite ou óleo de louro partiu da etnofarmacologia, ou seja da informação popular que referia o seu uso para o tratamento de múltiplas doenças. «Inicialmente pensámos que era uma espécie de banha de cobra da Madeira», diz a sorrir a investigadora.


«Tivemos conhecimento que o óleo era vendido em bruto e em cápsulas, em muitas farmácias e ervanárias da Região, e decidimos realizar um inquérito informal junto destes estabelecimentos. Quisemos saber em que tipo de doenças era utilizado, pois numa consulta, a maioria das pessoas não diz ao médico que produtos fitoterápicos (plantas medicinais) está a usar. Uma das histórias que ouvimos com frequência, até por parte das pessoas que se encontravam nas farmácias, foi que o óleo de louro é utilizado para o tratamento de úlceras - quer gástricas, quer da pele - sobre feridas difíceis de cicatrizar e para baixar a inflamação. Ainda ao nível do uso externo, como tratamento da tosse ou problemas das vias respiratórias e para aplicar em emplastros».


O produto foi recolhido para validação em cerca de 30 postos de venda, entre farmácias, ervanárias, cafés da zona Norte da ilha, o que permitiu seleccionar o que era bom do que não era.


«Fizemos o acompanhamento da produção num lagar e fotografámos toda a sequência, desde a chegada das bagas até ao engarrafamento. Efectuámos estudos directos com óleo em bruto, com micro-organismos, e mandámos pequenas porções para vários laboratórios do mundo onde se fazem estes testes por rotina».


Foram enviadas amostras para o México com o objectivo de determinar a actividade anti-tuberculose, para o Brasil, onde foram realizados testes de actividade anti-inflamatória e para Barcelona com o objectivo de conhecer as suas propriedades anti-úlcera. Os resultados foram todos positivos.


Simultaneamente foi analisada a sua composição química. «A maior parte é gordura, como prevíamos, comparável ao óleo de girassol. Depois, possui uma grande quantidade de substâncias voláteis que são constituintes de aromas - que é isso que o torna diferente - e que faz com que tenha um aroma tão intenso. Algumas dessas substâncias são bioactivas e identificámos duas moléculas com uma estrutura muito especial, que são as lactonas. Depois de termos procedido a este fraccionamento, cada uma das partes foi enviada para os referidos laboratórios, analisada e testada contra os mesmos organismos vivos, até descobrimos quais os princípios activos, que já estão perfeitamente identificados. Foram testados contra bactérias, fungos, micobactérias (tuberculose) e linhas celulares de tumores humanos. Os testes de actividade anti-úlcera e anti-inflamatória foram feitos sobre animais vivos (ratos)». Ultrapassada esta fase, o caminho é longo até que o produto possa ser acreditado. «Há um percurso enorme a fazer, pois tem que passar pelas mesmas regras que os medicamentos de síntese», salienta.


Nesse processo, conforme refere, «é importante a consciencialização da Região, e das entidades responsáveis, que a ilha tem um produto muito interessante. Por outro lado, é necessário continuar a efectuar testes pré-clínicos. Em alguns casos temos que passar os testes com animais. Noutras situações já estamos em condições de, principalmente com o produto bruto, passar para testes em humanos, pelo facto estarem a ser feitos na Região há mais de 100 anos». Actualmente, o óleo de louro está a ser vendido a 100/150 euros o litro, mas atinge preços extraordinários quando vendido em cápsulas. Os produtores vendem em bruto às farmácias e às ervanárias, mas conforme denuncia a investigadora, «muitas delas estão a adulterá-lo com óleo alimentar. No laboratório é muito fácil de descobrir, através de um teste que demora poucos minutos. Compram a 100 euros ao litro, mas em cápsulas chega a atingir os 500 euros».


Conforme esclarece, a mistura não tem qualquer efeito nocivo para a saúde, mas também não tem efeito benéfico; ora, atendendo a que é um produto genuíno da Madeira, «que é exportado pelas comunidades madeirenses, é uma pena que seja adulterado e alvo de pequenas vigarices, quando podia ser valorizado. Neste momento não vou referir os estabelecimentos que estão a fazê-lo, mas vou dizê-lo às autoridades na altura certa». E a propósito Paula Castilho diz que, se Região quiser tomar conta do produto, é extremamente importante que ao nível da fiscalização o faça a sério». Adianta ainda que - conforme os estudos realizados em colaboração com laboratórios de diversas partes do mundo - não é conhecida outra região onde o óleo de louro seja produzido.


No caso concreto de Canárias, onde existe a mesma espécie de loureiro, não está reportada nenhuma utilização popular, segundo demonstram os inquéritos realizados pela Universidade de La Laguna, instituição com a qual a UMa trabalha. «Analisámos bagas de loureiro das Canárias, enviadas pelos nossos colegas, e encontrámos os mesmos princípios activos», adianta.



Neste momento, a investigação prossegue. Estão a ser efectuadas novas extracções e serão enviadas novas amostras para a realização de outras análises.


Para além deste projecto, a investigadora centra a sua atenção nas argilas do Porto Santo. «Já são conhecidas e já as temos bem caracterizadas. O nosso objectivo é conhecer o potencial que podem ter ao nível de aplicações de alto valor acrescentado. Estamos a utilizá-las como catalisadores de reacções químicas».


Paula Castilho explica que são conhecidas várias aplicações das argilas, nomeadamente para o fabrico de cerâmica, como lubrificantes das sondas perfuradoras nos depósitos de petróleo, como conversores catalíticos dos automóveis para transformar gases poluentes noutros menos prejudiciais. No caso da Região, não se trata de nenhuma aplicação semelhante. «Estamos a usar estes materiais como auxiliares (aceleradores) na transformação de, por exemplo, substâncias retiradas de extractos vegetais em componentes de perfumes. Interessam-nos compostos de muito valor acrescentado, daí o nosso grande interesse na indústria da perfumaria e a farmacêutica com o objectivo de conseguir transformar extractos vegetais pouco valiosos em produtos de muito valor. «Muitas argilas podem comportar-se como ácidos sem serem corrosivas. Tínhamos argilas no Porto Santo e quisemos saber como é que elas se comportavam, por isso iniciámos os testes», acrescenta.


O projecto conta com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e do programa comunitário FEDER. Quanto a resultados, «perante certas situações temos um comportamento que é tão bom, ou melhor, que alguns materiais sintéticos que estão no mercado». Os próximos passos serão testar outras reacções que tem muito interesse na indústria da perfumaria, usando argilas como catalisadores. «Vamos também trabalhar outro tipo de aplicações, nomeadamente ao nível da degradação de plásticos. Sai caríssimo à Região desfazer-se de material de embalagem e incinerar também não é boa ideia.


O objectivo é tentar dar algum aproveitamento a materiais que já não servem e testar até que ponto conseguimos dar-lhe uma segunda oportunidade, transformando-os em materiais mais simples, como por exemplo embalagens, incorporando argila para os tornar mais resistentes. São os chamados materiais nanocompósitos».


O projecto suscitou interesse por parte da FCT que quer usá-lo para integrar um consórcio transeuropeu, que envolve nove agências de investigação e tem como propósito a valorização de matérias primas renováveis. Apesar dos trabalhos pioneiros desenvolvidos ao nível da Química na Universidade da Madeira, o curso tem tido ultimamente pouco alunos. «Queremos evitar que o curso acabe. Nos últimos anos temos recebido poucos alunos, mas são muito bons e saem muito bem preparados. Os nossos ex-alunos que se fixaram em vários países da Europa e no Continente, bem como os que trabalham na Madeira, são o nosso cartão de visita».


A falta de candidatos nas áreas que envolvem a Química, Física e a Matemática não é um problema unicamente nacional, segundo afirma a professora. «Outros países europeus, como a França, têm falta de alunos nestas áreas. A associação que muitas vezes é feita entre "Química" e "poluição" faz-nos esquecer que não sabemos sobreviver sem as vantagens das indústrias relacionadas com a Química: a água na torneira, os medicamentos, os materiais, os têxteis, os combustíveis… Para além disso, a oferta de cursos de Química é grande em todo o país e, como é natural, as famílias preferem que os jovens estudem perto de casa. O curso de Química na UMa acaba por funcionar só com estudantes madeirenses». Quanto a saídas profissionais, «elas existem, assim as pessoas queiram. Neste momento as empresas da Madeira ainda nos estão a solicitar principalmente trabalhos pontuais. A UMa ainda é muito jovem e demora gerações até que a relação do tecido empresarial com a universidade local se efectue. As empresas ainda não aproveitam as suas potencialidades. Penso que isso só acontecerá quando muitos empresários forem nossos ex-alunos».


A situação pode no entanto ter repercussões nos próximos anos. Por exemplo, Paula Castilho diz que, num futuro próximo, é muito provável que directrizes comunitárias façam novas exigências às unidades hoteleiras e aos restaurantes em termos de certificação de segurança alimentar.


«Neste momento o serviço é garantido o melhor possível e esse controlo é feito fora da Região, mas penso que a União Europeia vai exigir que unidades a partir de certa uma dimensão tenham técnicos próprios. Quando isso acontecer, se não houver químicos suficientes na Madeira terão de vir do exterior, pois qualquer universidade leva tempo a formar pessoas». Por isso «precisamos de fazer uma análise de mercado não para amanhã, mas para daqui a quatro cinco anos», alerta a professora Paula Castilho.

B.I.
Nome: Paula Castilho.

Naturalidade: Lisboa.

Idade: 46 anos.

Residência: Santo António, Funchal.
Percurso académico e profissional: Licenciatura em Química, pela Universidade de Lisboa e doutoramento sobre compostos aromáticos, pela Universidade de Durham, no Reino Unido (Ustinov College), concluído em 1991. Iniciou a sua actividade profissional em 1995, como investigadora no Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INSTEI). É docente na Universidade da Madeira desde 1992 e presidente do Departamento de Química desde 2004. Foi presidente do Departamento de Química de 1992 a 1996 e vice-reitora da UMa de 1996 a 1998.
Teresa Florença (texto) / Agostinho Spínola (fotografia)

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