
"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite
da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não discriminando já o bem do mal,
sem palavras, sem vergonha, sem carácter,
havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral, escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis (...)
Um poder legislativo,
esfregão de cozinha do executivo;
este, criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes,
vivendo do mesmo utilitarismo céptico e pervertido,
análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso
pela razão que alguém deu no Parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850 – 1923)
Pantomineiro -trapaceiro.
Sevandija - É ser uma pessoa desprezível;
veniaga - traficância.
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A politica não mudou muito do seculo XIX para o seculo XXI !!!
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